segunda-feira, 28 de abril de 2014

Desafios para a era do conhecimento 

Assistimos a grandes mudanças nessas últimas décadas no campo político e socioeconômico como também no campo da cultura, da ciência e tecnologia. Não temos ideia do que isso pode representar para nós, a globalização da economia, das comunicações e da cultura. Essas transformações tecnológicas tornaram possível o surgimento da era da informação.

É um momento novo e rico de possibilidades, por isso não podemos falar do futuro da educação sem certa cautela. Com essa cautela gostaria de examinar algumas das perspectivas atuais da teoria e da prática da educação, apoiando-me naqueles educadores e filósofos que tentaram, em meio a essa perplexidade, apontar algum caminho para o futuro. A perplexidade e a crise de paradigmas não podem se constituir num álibi para o imobilismo.
H.G Wells dizia que “a história da humanidade é cada vez mais a disputa de uma corrida entre educação e  a catástrofe”. Julgando pelas duas grandes guerras que marcaram a “história da humanidade”, na primeira metade do século XX, a catástrofe venceu. Dizia-se que só havia uma alternativa:”socialismo ou barbárie”. Chegamos ao final do século XX com a derrota do socialismo burocrático de tipo soviético e do enfraquecimento da ética socialista, e mais, pela primeira vez na história, não por efeito de armas nucleares, mas pelo descontrole da produção industrial, podemos destruir toda a vida do planeta.Estamos vendo crescer a competitividade mais do que solidariedade.

Hoje em dia muito educadores estão perplexos diante das rápidas mudanças na sociedade, na tecnologia, na economia, e se perguntam sobre o futuro de sua profissão. Alguns tem medo de perdê-la sem saber o que devem fazer. Portanto, que todas as palavras citadas por Abbagnano e encontradas no Aurélio apareçam na literatura pedagógica atual: “projeto” político-pedagógico, pedagogia da “esperança”, “ideal” pedagógico, “ilusão” e “utopia” pedagógica, o futuro como “possibilidade”. Fala-se muito hoje em “cenários” possíveis para a educação, portanto, em “panoramas”, representação de “paisagens”. Para se desenhar uma perspectiva é preciso “distanciamento”. É sempre um “ponto de vista”. Todas essas palavras entre aspas indicam uma certa direção ou, pelo menos, um horizonte em direção ao qual estamos caminhando ou podemos caminhar. Elas designam “expectativas” e anseios que podemos captar, capturar, sistematizar, pôr em evidência.

A virada de milênio é razão oportuna para um balanço sobre práticas e teorias que atravessam os tempos. Para falarmos das “perspectivas atuais da educação” é também falar, discutir, identificar o “espírito” presente no campo de ideias, de valores e de práticas educacionais que as perpassam, marcando o passado, caracterizando o presente e abrindo possibilidades para o futuro.


O TRADICIONAL E O NOVO

A educação tradicional foi destinada a uma pequena minoria. Iniciou o seu declínio já no movimento renascentista, mas sobrevive até hoje apesar da extensão média da escolaridade trazida pela educação burguesa. A educação nova surge a partir a obra de Rousseau, desenvolveu-se nesses últimos dois séculos e trouxe consigo numerosas conquistar no campo das ciências da educação e das metodologias de ensino.

A educação tradicional e a educação nova têm em comum a concepção da educação como processo de desenvolvimento individual. Contudo, o traço mais original da educação do século XX foi o deslocamento de enfoque, do individual para o social, para o político e para o ideológico. A pedagogia institucional é um exemplo disso. A educação no século XX tornou-se permanente e social. Mas claro que ainda existem desníveis entre regiões e países globalizadores e os países globalizados. Porém existem ideias universalmente difundidas entre elas, a de que não há idade para se educar, de que a educação se estende pela vida toda e que ela não é neutra.


EDUCAÇÃO INTERNACIONALIZADA


No início da segunda metade do século XX, educadores e políticos imaginaram uma educação internacionalizada, confiada a uma grande organização, a Unesco. Os países altamente desenvolvidos já haviam universalizado o ensino fundamental e eliminado o analfabetismo. Os sistemas nacionais de educação trouxeram um grande impulso, desde o século passado, possibilitando numerosos planos de educação, que diminuíram custos e elevaram os benefícios. A tese de uma educação internacional já existia deste 1899, quando foi fundado, em Bruxelas, o “Bureau Internacional de Novas Escolas”, por iniciativa do educador Adolphe Ferrière. Como resultado, temos hoje uma grande uniformidade nos sistemas de ensino. Podemos dizer que atualmente todos os sistemas educacionais do mundo contam com uma estrutura básica muito parecida. No final do século XX, o fenômeno da globalização deu novo impulso à idéia de uma educação igual para todos, agora não como princípio de justiça social, mas apenas como parâmetro curricular comum.


NOVAS TECNOLOGIAS

As conseqüências da evolução das novas tecnologias, centradas na comunicação de massa, na difusão do conhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no ensino – como previra McLuhan já em 1969 – pelo menos na maioria das nações, mas a aprendizagem a distância, sobretudo a baseada na internet, parece ser a grande novidade educacional neste início de milênio. A educação opera com a linguagem escrita e a nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma nova linguagem, a da televisão e a da informática, particularmente a linguagem da internet. A cultura do papel representa talvez o maior obstáculo ao uso intensivo da internet, em particular da educação a distância com base na internet. Por isso, os jovens que ainda não internalizaram inteiramente a cultura do papel, adaptam-se com mais facilidade que os adultos ao uso do computador. Eles já nascem com essa nova cultura, a cultura digital.
Os sistemas educacionais ainda não conseguiram avaliar suficientemente o impacto da comunicação audiovisual e da informática, seja para informar, seja para bitolar ou controlar as mentes. Trabalhamos muito, ainda, com recursos tradicionais que têm pouco apelo para as crianças e jovens. Os que defendem a informatização da educação sustentam que é preciso mudar profundamente os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvolver a memória. Para ele, a função da escola será, cada vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso é preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclusive, a linguagem eletrônica.


PARADIGMAS HOLONÔMICOS

Entre as novas teorias surgidas nesses últimos anos, despertaram particular interesse dos educadores os chamados paradigmas holonômicos, ainda pouco consistentes. Complexidade e holismo são palavras cada vez mais ouvidas nos debates educacionais. Edgar Morin, critica a razão produtiva e a racionalização modernas, propondo uma lógica do vivente. Paradigmas sustentam um princípio unificador do saber e do conhecimento em torno do ser humano valorizando seu cotidiano, o vivido, o pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras categorias como: decisão, ruído, ambiguidade, escolha, síntese, vínculo e totalidade.

Os holistas sustentam que o imaginário e a utopia são os grandes fatores instituintes da sociedade. Recusam uma ordem que aniquila o desejo, a paixão, o olhar, a escuta. Os enfoques clássicos, segundo eles, banalizam essas dimensões da vida porque sobrevalorizam o macroestrutural, o sistema, onde tudo é função ou efeito das superestruturas socioeconômicas ou epistêmicas, lingüísticas e psíquicas. Para os novos paradigmas a história é essencialmente possibilidade, onde o que vale é o projeto de vida e o imaginário. Para eles, “a imaginação está no poder”, como queriam os estudantes de Paris em maio de 1968.

Todas as classificações, as tipologias, no campo das idéias, são necessariamente reducionistas. Não podemos negar as divergências existentes entre eles. Contudo, as categorias apontadas acima indicam uma certa tendência, ou melhor, uma perspectiva da educação. Os que sustentam os paradigmas holonômicos procuram buscar, na unidade dos contrários e na cultura contemporânea, um sinal dos tempos, uma direção do futuro, que eles chamam de pedagogia da unidade.

As perspectivas holísticas da educação provocam grande discussões nos últimos anos. Elas se referem às categorias de transdisciplinaridade e complexidade, ou seja, atitude e método indispensáveis ao pesquisador e educador como dimensão essencial de tudo o que existe. a transdisciplinaridade consagra a unidade multidimensional do ato educativo. Ela procura compreender, mais do que acumular conhecimentos, inclui, agrega, compartilha, não divide... Por isso, Paulo Freire aproximava a atitude interdisciplinar da atitude transdisciplinar: porque encontrava nas duas o coletivo instituinte, o trabalho em grupo, a convivialidade, a transversalidade, o diálogo.


HOLISTAS SUSTENTAM QUE IMAGINÁRIO E UTOPIA SÃO OS GRANDES FATORES INSTITUINTES DA SOCIEDADE

A complexidade não deve ser entendida como um paradigma, mas como um dado da realidade, o real em processo, em transformação incessante, em criação e recriação, construção e reconstrução. Os dualismos provocaram sempre grande sofrimento, separando corpo e mente, por exemplo. Eles provocam desequilíbrios, dúvidas, ansiedades. Nesse sentido, deve-se entender a transdisciplinaridade como um desdobramento, um aprofundamento, da própria noção de dialética. Com essa nova abordagem, a dialética está se renovando. Entendida como atitude e como método, a transdisciplinaridade poderá dar uma contribuição ao estudo e à prática daquilo que chamo de Pedagogia da Terra, a ecopedagogia, que incorpora a atitude, a vivência e a convivência transdisciplinar. Ela também se apoia numa certa compreensão da complexidade. “A verdade é o todo”, dizia Hegel.


EDUCAÇÃO POPULAR

O paradigma da educação popular encontrava na conscientização sua categoria fundamental. Praticar e refletir sobre a prática incorporou outra categoria: a da organização, pois não basta ser consciente, para transformar é preciso organizar.

Os educadores que permaneceram fiéis aos princípios da educação popular atuaram principalmente em duas direções: na educação popular comunitária e na educação ambiental ou sustentável, predominantemente não governamentais. E com conquistar democráticas, a educação teve uma grande fragmentação em dois sentidos:

De uma lado ela ganhou uma nova vitalidade no interior do estado, diluindo-se em suas políticas públicas e do outro lado, continuou como educação não-formal. Perdeu em unidade mas ganhou em diversidade e conseguiu atravessar numerosas fronteiras.

As práticas de educação popular também constituem-se em mecanismos de democratização, onde se refletem os valores de solidariedade e de reciprocidade e novas formas alternativas de produção e de consumo, sobretudo as práticas de educação popular comunitária, muitas delas voluntárias.

A educação popular, como modelo teórico reconceituado, tem oferecido grandes alternativas. Dentre elas está a reforma dos sistemas de escolarização pública. A vinculação da educação popular com o poder local e a economia popular abre, também, novas e inéditas possibilidades para a prática da educação. O modelo teórico da educação popular, elaborado na reflexão sobre a prática da educação durante várias décadas, tornou-se, sem dúvida, uma das grandes contribuições da América Latina à teoria e à prática educativas em nível internacional.


DUPLA ENCRUZILHADA

Neste começo de um novo milênio, a educação apresenta-se numa dupla encruzilhada: de um lado o desempenho do sistema escolar não tem dado conta da universalização da educação básica de qualidade; de outro, as novas matrizes teóricas não apresentam ainda a consistência global necessária para indicar caminhos realmente seguros numa época de profundas e rápidas transformações.

Educação voltada para o futuro, será sempre uma educação contestadora, superadora dos limites impostos pelo Estado e pelo Mercado, portanto, uma educação muito mais voltada para a transformação social do que para a transmissão cultural. Por isso, acreditamos que a pedagogia da práxis, como uma pedagogia transformadora, em suas várias manifestações, pode oferecer um referencial geral mais seguro do que as pedagogias centradas na transmissão cultural, neste momento de perplexidade.

Nossa era é definida como era do conhecimento, se é pela importância do conhecimento em todos os setores, podemos dizer que sim, vivemos na era do conhecimento. Mas em consequência da informatização e do processo de globalização das telecomunicações associado a ela. O que constatamos é que predomina mais a difusão de dados e informações e não de conhecimentos. Isso está sendo possível graças às novas tecnologias que estocam o conhecimento, de forma prática e acessível, em gigantescos volumes de informações. Elas são armazenadas inteligentemente permitindo a pesquisa e o acesso de maneira muito simples, amigável e flexível. É o que já acontece com a internet. Pela internet, a partir de qualquer sala de aula do planeta, pode-se acessar inúmeras bibliotecas em muitas partes do mundo. As novas tecnologias nos permitem acessar não apenas conhecimentos transmitidos por palavras, mas também imagens, sons, fotos, vídeos (hipermídia) etc.



ESTÁ EM ANDAMENTO UMA REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO COMPARÁVEL À REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

As novas tecnologias criaram novos espaços do conhecimento. Agora, além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos. Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois podem, de casa, acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a distância, buscar “fora” a informação disponível nas redes de computadores interligados e serviços que respondem às suas demandas de conhecimento. A sociedade civil está se fortalecendo, não apenas como espaço de trabalho, em muitos casos, voluntário, mas também como espaço de difusão de conhecimentos e de formação continuada. É um espaço potencializado pelas novas tecnologias, inovando constantemente as metodologias. Novas oportunidades parecem abrir-se para os educadores. O acesso à informação não é apenas um direito. É um direito fundamental, um direito primário, o primeiro de todos os direitos pois sem ele não temos acesso aos outros direitos. A educação, e a educação a distância em particular, é um bem coletivo e, por isso, não deve ser regulada pelo jogo do mercado, nem pelos interesses políticos ou pelo furor legiferante de regulamentar, credenciar, autorizar, reconhecer, avaliar etc. de muitos tecnoburocratas.


RENOVAÇÃO CULTURAL

Na sociedade da informação a escola deve servir de bússola para navegar nesse mar do conhecimento, superando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” para a competitividade, para obter resultados. Ela deve oferecer uma formação geral na direção de uma educação integral. O que significa servir de bússola? Significa orientar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca de uma informação que os faça crescer e não embrutecer.


EDUCAÇÃO DO FUTURO

As categorias “contradição”, “determinação”, “reprodução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”, “possibilidade”, aparecem freqüentemente na literatura pedagógica contemporânea, sinalizando já uma perspectiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis. Essas categorias tornaram-se clássicas na explicação do fenômeno da educação, principalmente a partir de Hegel e de Marx. A dialética constitui-se, até hoje, no paradigma mais consistente para analisar o fenômeno da educação. Podemos e devemos estudá-la e estudar todas as categorias acima apontadas. Elas não ajudam muito na leitura do mundo da educação atual. Elas não podem ser negadas ou desprezadas como categorias “ultrapassadas”. Mas também podemos nos ocupar mais especificamente de outras, ao pensar a educação do século XXI, categorias nascidas ao mesmo tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela. Eis algumas delas, a título de exemplo.

1ª) Cidadania. O que implica também tratar do tema da autonomia da escola, de seu projeto político-pedagógico, da questão da participação, da educação para e pela cidadania. A partir dessa categoria podemos discutir particularmente o significado da concepção de escola cidadã e de suas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativa tornou-se hoje projeto e programa de muitas escolas e de sistemas educacionais.

2ª) Planetaridade. A Terra é um “novo paradigma” (Leonardo Boff). Que implicações tem essa visão de mundo sobre a educação? O que seria uma ecopedagogia (Francisco Gutiérrez) e uma ecoformação (Gaston Pineau)? O tema da cidadania planetária pode ser discutido a partir dessa categoria.

3ª) Sustentabilidade. O tema da sustentabilidade originouse na biologia, passando pela economia (“desenvolvimento sustentável”), pela ecologia, para inserir-se definitivamente no campo da educação: educar para uma educação sustentável. O que seria uma cultura da sustentabilidade? Esse tema deverá dominar muitos debates educativos nas próximas décadas. O que estamos estudando nas escolas? Não estaremos construindo uma ciência e uma cultura que servem para a degradação e para a deterioração do planeta?

4ª) Virtualidade. Esse tema implica toda a discussão atual sobre a educação a distância e o uso dos computadores nas escolas. A informática associada à telefonia nos inseriu definitivamente na era da informação. Quais as conseqüências para a educação, para a escola, para a formação do professor e para a aprendizagem? Conseqüências da obsolescência do conhecimento. Como fica a escola diante da pluralidade dos meios de comunicação? Eles nos abrem os novos espaços da formação ou irão substituir a escola?

5ª) Globalização. O processo da globalização está mudando a política, a economia, a cultura, a história... portanto, também a educação. É um tema que deve ser enfocado sob vários prismas. A globalização remete também ao poder local e às conseqüências locais da nossa dívida externa global (e dívida interna também, a ela associada). O global e o local se fundem numa nova realidade: o “glocal”. O estudo desta categoria nos remete à necessária discussão do papel dos municípios e do “regime de colaboração” entre união, estados, municípios e comunidade, nas perspectivas atuais da Educação Básica. Para pensar a educação do futuro, precisamos refletir sobre o processo de globalização da economia, da cultura e das comunicações.

6ª) Transdisciplinaridade. Embora com significados distintos, certas categorias como transculturalidade, transversalidade, multiculturalidade e outras como complexidade e holismo também indicam uma nova tendência na educação que será preciso analisar. Como construir interdisciplinarmente o projeto pedagógico da escola? Como relacionar multiculturalidade e currículo? É necessário realizar o debate dos parâmetros curriculares. Como trabalhar com os “temas transversais”? O desafio de uma educação sem discriminação étnica, cultural, de gênero.


7ª) Dialogicidade, dialeticidade. Não podemos negar a atualidade de certas categorias freireanas e marxistas, isto é, a validade de uma pedagogia dialógica ou da práxis. Marx, em O capital, privilegiou as categorias hegelianas “determinação”, “contradição”, “necessidade”, “possibilidade”. A fenomenologia hegeliana continua inspirando nossa educação e deverá atravessar o milênio. A educação popular e a pedagogia da práxis deverão continuar como paradigmas válidos para além do século XXI.